Nas masmorras da torre #04
Uchuu Kaizoku Captain Herlock
Herlock é um personagem marcante pra mim ja a alguns anos, e por isso fico feliz em finalmente ter completado o manga original que o consolidou, partindo dele para virar a franquia que é hoje. Esse então será um comentário sobre o manga de herlock lançado em 1977 e que nunca viu um final para completar a trama, ficando em aberto ( aparentemente um final definitivo da historia esta na adaptação em anime).
História
Um planeta terra que vive em um estado perene de escapismo e falta de responsabilidade é recebido por um estranho objeto negro do espaço, objeto esse que cria uma eterna neblina em todo globo. O desinteresse do primeiro ministro em resolver os problemas de seu planeta, a perda de qualquer espirito combativo da população e a posição de desvantagem que a terra se encontra em relação a essa misteriosa força externa, cria o que eu sinto ser uma mensagem a respeito da sociedade em que o autor Matsumoto Leiji, viveu ao escrever a historia. Esse tipo de expressão mais politica social da década em que ela foi escrita é uma barreira pessoal pra mim, então mesmo que existam interpretações sobre essa vertente da obra, vou focar mais no que ela significa de outras maneiras. Como por exemplo, a fala do professor Cusco logo no começo a respeito da maneira como a vida funciona no universo, com "o forte destruindo o fraco" uma ideia que parece ser uma espécie de código entre os homens do mar das estrelas, uma lei não escrita.
O descontentamento com o governo da terra, e a ameaça iminente de forças extraterrestres, move Daiba Tadashi a partir em busca de um lugar para seu espirito livre, uma nova casa na Arcadia.
''sogeking! queime aquela bandeira!" |
Personagens
Capitão Herlock: O capitão da arcadia é o personagem de capa dessa historia, é o personagem que define se alguém ira gostar ou não da leitura, ja que o ponto mais explorado da trama logo depois do império mazon, é o proprio herlock. Herlock na linha principal do manga e dos 3 one shots que estão inclusos no lançamento do volume, tem atitudes que são estabelecidas como questionáveis, o que parece ser uma forma de tornar ele mais interessante, em um oceano de estrelas que é governado pela ''lei do mais forte" o que é necessario para um capitão manter seus objetivos? quais são os sacrificios? Apesar de no começo a "liberdade" que harlock promete dar a Daiba e seus tripulantes ser questionada, isso parece ser descartado mais pra frente e outros aspectos da duvida da moralidade do capitão aparecem, como a maneira que ele decide eliminar as Mazons infiltradas na terra ou como se não fosse por seu amigo, Herlock provavelmente ja teria desistido de salvar a raça humana. Apesar de tudo, os discursos apaixonados de Herlock parecem fazer ele ser apesar da moralidade cinzenta, ser um heroi.
Daiba Tadashi: Daiba é um recurso narrativo mais do que qualquer outra coisa, ele serve para ser os ouvidos e os olhos dos expectadores que estão assim como ele, embarcando nesse novo e misterioso mundo. A inexperiência de Daiba da a entender que ele é o personagem com mais potencial para desenvolvimento, e apesar desse desenvolvimento não aparecer com tanta ênfase, ele realmente existe. Afinal de contas, o garoto esta aprendendo a ser um pirata, a duresa da vida longe da terra, e o que significa ter amigos. Ainda assim, sinto que um dos fatores que mais ficaram deficientes com o final abrupto do manga, foi uma mudança de atitude para Daiba, uma que refletisse suas mudanças de percepção, ja que ele começa e termina a historia como um ouvido para os outros personagem explicarem coisas.
Alien Miime: Miime é a seguidora mais fiél de Herlock, e parece representar ideias como amizade, companheirismo e fidelidade de todo o bando para com harlock e entre si. Mas Miime representa também uma figura solitaria e melancolica, de uma maneira que parece justificar sua obediência e apego, mas talvez isso também sirva para outra coisa dentro da historia, que sera comentada depois. Uma questão que parece surgir enquanto se le o manga é se a posição de Miime na historia é a de uma "profeta" de Herlock que sempre ira defender a visão dele por mais que esteja errado, ou se representa uma verdadeira amizade e esta mostrando a Daiba que suas duvidas sobre Harlock não são apenas as inseguranças de um amador.
Império Mazon: Talvez o verdadeiro "protagonista" do manga, o império e suas forças é o foco do primeiro ao ultimo capitulo, pois sua natureza serve como um mistério, e desenvolver esse mistério é o que torna essas personagens tão especiais. Primeiro, uma força invasora, depois, uma força invasora com um "coração", depois um poderio militar incomparável e que escraviza outras raças e não tem respeito pela vida e por companheirismo, e por fim, um regime totalitário em que a emoção de seus indivíduos é esmagada pela doutrina do estado? As Mazons inicialmente parecem um conceito ruim, uma raça alienigena composta apenas por mulheres, mas conforme a historia avança, novas e interessantes camadas são adicionadas a essa ideia e ela começa a soar bastante interessante e simbolica, de varias maneiras. No geral, o mistério Mazon, e a maneira como essas personagens são escritas, servem muito bem para estabelecer um contraste com Harlock e seu bando.
Homens, mulheres e Mazons
Uma das propostas de Capitão Herlock era estabelecer o que seria um "homem ideal", e esse é um dos temas mais proeminentes da obra, com a pergunta "o que significa ser homem?" surgindo de diferentes maneiras. Uma delas é a primeira e clara leitura do que são as Mazons, em um mundo de homens covardes e irresponsáveis (como o próprio professor cusco disse, um mundo em que homens se acovardam do trovão, e só se importam com o corpo nu de uma mulher) mulheres facilmente os subjugariam através da manipulação. As vilãs porem começam a delinear outros símbolos a essa figura, como a de bruxas sendo caçadas e que se disfarçam como mulheres comuns dentro da sociedade (afinal temos uma cena de Herlock e seu bando literalmente perseguindo elas com capuzes negros através das ruas invadindo as casas da terra) e a de símbolos maternos por conta da natureza da humanidade na historia.
Essa versatilidade é interessante e faz com que essas personagens se integrem a mais temas dentro da trama por serem todas mulheres, mas outro aspecto do manga que parece passar desapercebido é que Herlock é desafiado não só em seus ideais de liberdade, mas também aos seus de masculinidade, com o autor aparentemente utilizando-se das personagens femininas para apontar os erros e as fraquezas dos personagens homens do bando, um recurso para criar confronto e reafirmar os ideais de seu protagonista.
O estilo artístico de Matsumoto Leiji é reconhecível facilmente por ser original dele, mas sua abordagem vem de uma formula que parece ter surgido com o progenitor do gênero no japão, Tezuka Osamu, em que personagens mais cartunescos (semelhantes a desenhos animados dos anos 20 a 50) com linhas simplificadas aparecem em cenários extremamente detalhados e realistas, criando um contraste que é muito próprio dos mangas dessa época, embora cada artista adiciona-se seu próprio "twist" a formula.
Tendo dito isso, também é interessante comentar a respeito de outro aspecto dessa "formula" de mangas que influencia a maneira como os mangas são feitos até hoje, que é o ritmo, mangas diferentemente dos comics americanos, que prezam pelo texto de uma forma que os assemelha a livros ilustrados, tem um ritmo calcado mais em storyboards de filmes, criando um senso de dinamismo na arte sequencial que soa até cinematográfico. Esse porém, é um dos pecados de Capitão Herlock como uma historia, apesar de ter esses layouts de paginas dinâmicas, o manga não tem ritmo pra isso, Capitão Harlock segue um estilo de roteiro em que a regra do cinema "mostre, ao invés de falar" não é usada, Matsumoto propositalmente descreve cenas que poderiam ser desenhadas, fazendo com que o manga seja tão baseado em texto que o ritmo se compromete e ele se torna uma leitura lenta, o que de certa forma combina com o tema de viagem espacial e a imensidão do vazio, mas não cabe nesses layouts dinâmicos, afinal de contas, as maiores cenas de ação de Harlock são sequencias com splash pages ou double splash pages focando em grandes naves espaciais e grandes tiros de seus canhões.
space battleship death shadow
great space pirate harlock
queen emeraldas
Crise nos infinitos Herlocks
Pelas breves pesquisas que fiz sobre o manga e suas conexões com outras obras de Matsumoto Leiji, descobri que Herlock é uma criação anterior ao titulo solo, e depois do lançamento do manga e do anime original, o autor continuou a retornar para o personagem em outras historias ao longo dos anos, e por isso vou comentar aqui as 3 versões que aparecem no manga em one shots paralelos a historia principal. O primeiro é space battleship death shadow, um one shot que me surpreendeu por conta da diferença do tom em relação a historia original, a sensação que fica é que Matsumoto queria retratar Herlock como uma figura moralmente ambígua e isso só foi crescendo conforme os anos foram se passando. Aqui temos um Herlock que destroi naves civis sem nenhum remorso para preservar a vida humana em um planeta vermelho e aparentemente isolado, porque ? respostas parecem não ser o foco de nenhum desses 3 one shots, e concluimos esse com a sensação de que pode ser uma prequel para o manga principal, com um Herlock que parte para uma galaxia distante na nave deathshadow, a nave que foi utilizada pelo Herlock do manga principal antes de pilotar o Arcadia. O segundo One shot "great space pirate harlock", é de longe o mais edgy dos 3, parece ser a interação mais bizarra de Herlock, um homem perseguido pelo exercito espacial da terra e com o coração cheio de ódio, mas que tem esperança de um futuro melhor ao permitir que seu bando prossiga em busca de seus sonhos. Com cenas de sexo, mortes violentas por canibais, uma trama envolta de traição e um homem castrado, esse é um Herlock que não sei se gostei de ter lido, mas que apresenta alguns conceitos interessantes como o exercito da terra ser corrupto, Herlock explicitamente passando o seu nome para um próximo capitão, e herlock ter em sua ilha asteroide um enorme castelo. Por fim, o terceiro One shot é o que eu mais gostei de ter lido e apresenta um Herlock interagindo com a capitã do navio Queen emeraldas numa espécie alternativa de século 19, e que graças a uma grande dose de humor acaba mantendo a historia curta interessante, se segurando melhor que a segunda e a primeira de uma forma geral. O conceito de um Herlock nessa época com o misto entre navio e dirigivel também é bem original, gostaria de ter visto mais dessa ideia sendo elaborada. O tema dessas 3 historias olhando em retrospecto é surpreendentemente conciso, sendo diferentes abordagens da relação entre homem e mulher, algo que também esta presente no manga principal, com o primeiro sendo a relação de Herlock com seu navio, no segundo a traição em um relacionamento, e no terceiro a dinâmica dos 2 bandos piratas.
final
O final de Herlock nunca aconteceu, mas vou tentar pensar aqui na historia como um roteiro completo e não (no que ela realmente é) uma historia inacabada por que Matsumoto abandonou o manga já que o anime já existia. Uma das personagens mais importantes da narrativa é Miime, uma alienígena que perdeu seu planeta para as plantas de terra formação do imperio Mazon, essa personagem inicialmente parece um tipo de "cautionary tale" sobre o possivel destino da humanidade na trama, porém, a maneira como os ultimos capitulos rumam, me fez questionar se a ideia aqui não é falar de um possivel destino mas sim de uma fatalidade a ocorrer. Seria o manga, a historia dos fins dos dias da raça humana? no ultimo volume conhecemos o destino do planeta Tokaga dos alienígenas que foram escravizados pelas Mazon,o planeta é destruído, e os dois irmãos sobreviventes comentam "no planeta apenas restavam guerreiros fracos e a população estava doente de uma doença incurável, uma espécie arruinada e destinada a morrer" esse momento rima com a historia de Miime e quem sabe até, seja um pressagio. Se enxergarmos a historia dessa forma ela ainda faz sentido e de certa forma consegue entregar uma conclusão mesmo sem um climax, Herlock descobre que a armada Mazon é muito mais poderosa que qualquer outra força militar no universo, descobre que as Mazons espalharam suas sementes por todo o cosmos, descobre que a humanidade é na verdade uma variação das Mazon "invasora" do território Mazon, nós temos os destinos trágicos de duas espécies condenadas pelas vilãs, e por fim vemos o primeiro ministro da terra fugindo do planeta quando a invasão começa a tomar forma. Num final em que Herlock perde seu planeta mas continua lutando por liberdade ao lado de outros planetas contra as forças do império (ou até mesmo morrendo por seus ideais contra a armada espacial) parece algo que não é impensável para essa narrativa, olhando dessa forma, é um final relativamente satisfatório. O resumo dessa minha analise é que apesar de seus problemas de ritmo e arte, e o encerramento da publicação sem um final de verdade, Capitão Herlock é um manga de ideias interessantes e um protagonista marcante, tão marcante que se tornou um ícone da cultura dos animes/mangas.
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